PARA GLÓRIA, NOVELAS VÃO MAL

Glória Pires, que começa a gravar amanhã ''Mulheres de Areia'', 

culpa modelos pela decadência do gênero: 

"Eles só sabem ficar bonitos diante das câmeras''.

A atriz Glória Pires acertou com a Rede Globo há duas semanas sua volta às novelas. Começa a gravar amanhã em Angra dos Reis (RJ) os papéis principais de "Mulheres de Areia", "remake" da novela de Ivani Ribeiro que foi sucesso na década de 70. Vai interpretar duas gêmeas de personalidades opostas, papéis de Eva Wilma na novela original.

Aos 29 anos, 22 de carreira, Glória está cheia de ressalvas com o gênero que a consagrou corno atriz de talento - das raras criadas fora do teatro. Acha que as novelas estão em decadência desde 88, e atribui a crise à invasão de modelos e manequins nos elencos. "Eles não sabem nada além de como ficar bonitos diante das câmeras."

A seguir, trechos da entrevista que concedeu à Folha no Rio.

Por que você resolveu aceitar o papel em "Mulheres de Areia"?

Principalmente por ser um papel duplo. As pessoas dizem que se fazer um só papel é difícil, dois nem se fala. Mas acho que a carga é a mesma. Não será mais cansativo do que é sempre fazer uma novela.

Você teme a comparação com Eva Wilma?

Comparação sempre há, mas tudo é muito diferente. Algumas coisas devem ser alteradas na nova versão. Há 20 anos, uma irmã roubar o namorado da outra era uma coisa que chocava as pessoas. Hoje é a coisa mais corriqueira do mundo.

Você acha que o "remake" é sintoma de esgotamento?

O cinema americano não se cansa de fazer refilmagens e não significa que esteja esgotado. Hoje as pessoas que fazem TV têm pouca oportunidade de errar. Há medo de arriscar, investir no novo. Não temos escolas de autores, diretores e atores de TV. Não há renovação. Talvez seja esse o porquê do "remake".

Apesar do desgaste físico, fazer novela é prazeroso?

Claro. Não faria sentido eu continuar fazendo TV depois de 22 anos se não sentisse prazer. Adoro fazer TV. É uma coisa que não planejei. Gostava de ir com meu pai (o humorista Antônio Carlos) às gravações.

Para mim aquilo era uma casa de boneca montada, com os cenários e tudo mais. Não sei se gosto da TV porque fiz a vida inteira ou se fiz a vida inteira porque gosto. É um veículo bárbaro, mas mal utilizado.

Mal utilizado em quê?

Outro dia o Caetano Veloso estava falando uma coisa muito inteligente: a TV é algo de Deus, porque num país como o nosso, onde tão pouca gente lê, ter acesso à informação através da TV é muito democrático e bonito. Mas a necessidade do Ibope, de ter que estar em primeiro lugar, é muito chata. Sinto falta de mais programas educativos. O "Globo Ecologia" passar de manhã tão cedo é uma sacanagem. Fica tudo muito estagnado nas coisas que deram certo novela, Xuxa, Faustão, "Fantástico".

É isso que gera um certo preconceito contra a novela?

Acho que as novelas regrediram, em termos artísticos. De 78 a 88 houve um nível muito bom de preocupação com a novela, que passou a ser vista com outros olhos porque estava sendo exportada. Havia uma preocupação maior em fazer bem-feito, ter bom elenco, bons diretores, uma história bem-amarrada. De 88 para cá, piorou muito.

É um período que coincide com a onda de nudez das novelas. Você vê relação entre as duas coisas?

Essa sensualidade excessivamente explorada foi uma fase' importante, embora eu ache chata. Tem-se criado um mito de que é muito importante ter gente bonita na novela. É aquela quantidade de manequins e modelos, pessoas que não são atores, fazendo novelas. Disseram outro dia que eu não gostava de contracenar com novos atores. Não é isso. Não gosto de contracenar com quem não é ator. As novelas têm piorado muito por isso. Há algumas que não agüento ver. Quem acompanha diariamente uma novela e vê uma pessoa que não sabe falar um texto, não sabe abrir a boca, não tem idéia do que está fazendo ali, acha chato. A qualidade cai. Para quem o autor vai escrever?

Quem estabelece a necessidade de beleza, o público ou a TV?

A beleza é uma necessidade do ser humano. Mas "Escrava Isaura'' foi a novela mais vendida de toda a história da TV Globo sem que a Lucélia Santos seja o que chamamos de mulher deslumbrante. Mas é uma excelente atriz. O que o público quer? Mulher bonita ou ótimos atores?

Grande parte dos atores da Globo começou como modelo...

Grande parte, não. Graças a Deus ainda é uma minoria. É um exagero seu. O problema é que essa minoria está em tudo o que é novela. Nunca vi nada igual. Ainda existem ótimos atores. Pega como exemplo a novela das 19h. É um elenco estelar e está tendo um resultado maravilhoso.

Você recusou alguma cena de nudez em novela?

Nunca rolou. É muito delicado.

Por quê?

Televisão entra demais na sua casa. Jamais faria uma cena como aquelas do "Pantanal". Não é por moralismo, puritanismo. O ator já sofre uma exposição muito grande. A TV faz parte de tal forma da vida das pessoas que muita gente confunde as coisas, projeta sobre os personagens uma vida que gostaria de ter. A nudez não acrescenta nada à dramaturgia e desvia a atenção do trabalho do ator.

Por 

Plínio Fraga

18/10/1992

Folha de São Paulo

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